Câncer de Pâncreas: uma doença silenciosa e agressiva
Responsável por aproximadamente 44.000 novos casos por ano nos Estados Unidos e 5% de todas as mortes por câncer no Brasil, a neoplasia maligna de pâncreas constitui-se uma doença bastante grave, silenciosa e com taxa de mortalidade muito elevada.
Com aumentada incidência nos últimos anos, principalmente após os 45 anos de idade, essa patologia torna-se cada vez tema de maior discussão, vista sua alta morbimortalidade, consequente de uma evolução naturalmente desfavorável, associada à pobreza de manifestações clínicas em estadios iniciais, o que diminui consideravelmente as chances de tratamentos curativos.
Dentre os tipos histológicos, os adenocarcinomas representam mais de 90% dos tumores primários de pâncreas e discutiremos exclusivamente sobre eles nesse texto. Os tumores neuroendócrinos também podem acometer o pâncreas, porém com prognóstico e tratamento bastante peculiares.
Abordaremos abaixo itens relevantes sobre fatores de risco e suas manifestações clínicas.
- Fatores de risco
Há indícios de que haja uma relação hereditária no câncer de pâncreas, visto que até 10% dos pacientes com essa patologia apresentam algum parente de primeiro grau com a mesma moléstia, normalmente abaixo dos 50 anos de idade. Dentre os quadros descritos como predisponentes encontra-se a pancreatite hereditária, comumente manifestada em jovens. Além dela, mutações genéticas, como as dos genes BRCA-1 e BRCA-2, dos genes PRSS1 e STK11 (relacionados à Síndrome de Peutz-Jeghers) também parecem relacionar-se com inicidência aumentada de neoplasia maligna do pâncreas. Pacientes de origem Ashkenazi com mutação de BRCA tem elevado risco de desenvolverem esta doença, assim como aqueles acometidos pela Síndrome Ataxia-Telangectasia. Ainda dentre os fatores hereditários, acredita-se que haja relação entre o grupo sanguíneo ABO e o câncer pancreático. Embora mais estudos sejam necessários para essa confirmação, pacientes que não apresentam tipo sanguíneo O tem maior incidência.
Em relação aos fatores não hereditários, destaca-se a pancreatite crônica adquirida, que parece estabelecer um risco maior que duas vezes em relação à população habitual. Além dela, porém com um risco discretamente menor, estão aqueles portadores de diabetes mellitus, incluindo nesse grupo aqueles com metabolismo de glicose alterado e resistência à insulina.
Ainda dentre os fatores não hereditários, temos aqueles fatores de risco ambientais, portanto, modificáveis. Dentre eles, como em inúmeras outras patologias, destaca-se o tabagismo. Vários estudos confirmam essa relação, sendo que quanto maior o número de cigarros consumidos, maior o risco do desenvolvimento de câncer de pâncreas, determinando uma chance até 2,5 vezes maior do que naqueles não tabagistas.
Sedentarismo e obesidade também são postulados como fatores de risco. Pacientes com índice de massa corporal (IMC) maior que 30 Kg/m2 tem 1,7 vezes maior risco do que aqueles com IMC menor que 23 Kg/m2. Em contrapartida, ensaios sugerem que a atividade física moderada possa reduzir pela metade as chances de se desenvolver câncer de pâncreas durante a vida.
Em relação à dieta, não há nenhum fator de risco bem estabelecido. Foram postuladas possíveis relações entre dietas ricas em carne e gordura com o aumento da incidência de neoplasia de pâncreas, assim como a redução dos casos em dietas ricas em licopeno, porém os dados mostrados nos estudos não foram conclusivos. Alimentos defumados e risco elevado parecem estar mais bem alinhados para uma possível confirmação nos próximos ensaios.
Tão discutíveis quanto às mostradas acima estão as relações entre álcool e ingestão de café e incidência de câncer pancreático. Questiona-se se o uso abusivo de ambas as substâncias poderia elevar o risco, porém os resultados dos estudos também são bastante conflitantes, não podendo, até o presente momento, confirmar tal relação. O mesmo aplica-se à possível interferência do uso crônico de aspirina à elevação do risco. Apesar de um grande estudo sugerir de forma contundente tal relação, esses achados não foram confirmados em outras observações.
Infecções também parecem elevar a incidência de câncer de pâncreas. Há um risco elevado naqueles pacientes infectados pelo Helicobater pylori, gene Cag A, assim como indícios sugerem a mesma relação naqueles portadores do vírus B.
2. Manifestações Clínicas
Esse talvez seja o principal desafio do diagnóstico precoce do câncer de pâncreas. Por tratar-se de uma doença oligossintomática em estadios iniciais, isto é, por causar poucas manifestações no paciente, o seu diagnóstico é feito na grande maioria dos casos em estadios bastante avançados, o que diminui sensivelmente as chances de cura e faz com o que o tratamento paliativo seja a base de atenção a esses pacientes.
Embora incomum, o diagnóstico pode, sim, ocorrer em doenças ainda localizadas. Quando isso ocorre, geralmente decorre de achados ocasionais de exames de imagem, como tomografia computadorizada, por exemplo. As manifestações associadas à doença inicial (ou também chamada de localizada) também variam de acordo com sua localização.
Como a maior parte dos tumores de pâncreas tem origem na cabeça (na figura acima, HEAD) do órgão, as complicações decorrem da invasão de estruturas próximas a ela. Dentre os sintomas mais comuns nessa situação, destaca-se a icterícia, que é a cor amarelada da pele e esclera dos olhos. Isto decorre da obstrução das vias biliares pelo crescimento tumoral, resultando em dificuldade de liberação da bile. Além disso, não é incomum pacientes queixarem-se de hiporexia (perda de apetite) a astenia (fraqueza generalizada), porém tais sintomas são quase exclusivos de doenças avançadas. Dor abdominal, em andar superior, decorre habitualmente de invasão do plexo celíaco. Essa queixa é de difícil controle e bastante debilitante. Ascite (líquido em cavidade abdominal) comumente surge durante o curso da doença, também em doenças avançadas. Mais relacionada com o acometimento neoplásico do peritônio pode desenvolver-se a partir de hipertensão portal secundária a doença metastática hepática.
Manifestações clínicas não localizadas também podem ocorrer. A Síndrome de Trousseau caracteriza-se pela presença de Trombose Venosa Profunda (TVP) na vigência de neoplasia maligna em atividade e tem no câncer de pâncreas uma das principais causas. Pode apresentar-se como primo manifestação dessa patologia. Outras síndromes paraneoplásicas, embora não tenham nos adenocarcinomas pancreáticos uma de suas principais causas, podem indicar a presença de tal patologia, habitualmente em situações avançadas de doença.
Referências:
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7) Am J Epidemiol 2009; 170:403
8) Ann Oncol 2012; 23:311
9) J Natl Cancer Inst 2003; 95:948
10) Gastroenterology 1999; 117:1463
Autor:Dr. Elge Werneck Araujo Junior CRM – SP 119.351 Médico Oncologista – Clínica de Oncologia MédicaHospital Professor Edmundo Vasconcellos Av. Nove de Julho, 4644 – São Paulo – SP – 01407-100(11) 3068-0808 elge@clinonco.com.br; elgejr@ig.com.br |